Decreto-Lei n.º 84_2021, de 18 de outubro

Regula os direitos do consumidor na compra e venda de bens, conteúdos e serviços digitais, transpondo as Diretivas (UE) 2019/771 e (UE) 2019/770.

A Lei n.º 24/96, de 31 de julho, que estabelece o regime legal aplicável à defesa dos consumidores, consagrou, no seu artigo 4.º, o direito à qualidade dos bens e serviços.
Este princípio normativo foi densificado pelo Decreto -Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, que procedeu à transposição, para a ordem jurídica nacional, da Diretiva 1999/44/CE, do Parlamento
Europeu e do Conselho, de 25 de maio, relativa a certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, e alterou a Lei n.º 24/96, de 31 de julho.
A Diretiva 1999/44/CE, ao consagrar um quadro legal de harmonização mínima quanto à proteção dos direitos do consumidor na União Europeia (UE), permitiu ao legislador nacional adotar
soluções que aumentaram o nível de proteção dos consumidores portugueses. Volvidos sensivelmente 20 anos desde a publicação da referida Diretiva, e perante a evolução da dimensão digital no mercado interno, a Comissão Europeia apresentou, em maio de 2015, a Estratégia para o Mercado Único Digital, que visava reforçar a proteção do consumidor num mercado cada vez mais competitivo e digital. Neste âmbito, a Comissão Europeia apresentou uma nova proposta legislativa que, após negociação no Conselho, veio a resultar na Diretiva (UE) 2019/771, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2019, relativa a certos aspetos dos contratos de compra e venda de bens, que altera o Regulamento (UE) 2017/2394 e a Diretiva 2009/22/CE e que revoga a Diretiva 1999/44/CE [Diretiva (UE) 2019/771].
A Diretiva (UE) 2019/771 tem como objetivo contribuir para o bom funcionamento do mercado interno, garantindo simultaneamente um nível elevado de proteção dos consumidores, estabelecendo regras comuns quanto a certos requisitos relativos aos contratos de compra e venda celebrados entre o profissional e o consumidor, em especial regras quanto à conformidade dos bens com o contrato, aos meios de ressarcimento em caso de falta de conformidade, às modalidades para o exercício desses meios e às garantias comerciais.
Simultaneamente, a Diretiva (UE) 2019/771 veio elevar às exigências das novas tipologias de bens hoje existentes o regime legal da conformidade dos bens de consumo, nomeadamente, através da inclusão de novas realidades, como é o caso dos contratos de compra e venda de bens com elementos digitais incorporados.
O presente decreto -lei estabelece, desde logo, o princípio da conformidade dos bens com um conjunto de requisitos subjetivos e objetivos. O profissional encontra -se, assim, obrigado a entregar
ao consumidor bens que cumpram todos os requisitos referidos, sob pena de os bens não serem considerados conformes.
Prevê -se a responsabilidade do profissional pela falta de conformidade do bem que se manifeste num prazo de três anos e que se considera existente à data da entrega do bem se manifestada
durante os primeiros dois. São, ainda, estipulados prazos de responsabilidade distintos, consoante estejamos perante bens com elementos digitais incorporados relativamente aos quais se preveja
o fornecimento contínuo de conteúdos ou serviços digitais.
Ao contrário do previsto no Decreto -Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, na sua redação atual, que não estabelecia qualquer hierarquia de direitos em caso de não conformidade dos bens — reconhecendo ao consumidor um direito de escolha entre a reparação do bem, a substituição do bem, a redução do preço ou a resolução do contrato — o presente decreto -lei incorpora a solução da Diretiva que aqui se transpõe, a qual prevê os mesmos direitos, embora submetendo -os a diferentes patamares de precedência. Trata -se, pois, de matéria sujeita ao princípio da harmonização máxima, que impede o legislador nacional de divergir da norma europeia.
Neste enquadramento, em caso de não conformidade do bem, o consumidor tem o direito à «reposição da conformidade», através da reparação ou da substituição do bem, à redução do preço e à
resolução do contrato, estabelecendo -se as condições e requisitos aplicáveis para cada um destes meios.