Oficio Circulado n.º 20261_2023
A Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2023, procedeu, no seu artigo 251.º, à criação do Incentivo à Capitalização das Empresas (ICE), através do aditamento ao Estatuto dos Benefícios Fiscais do artigo 43.º-D.
Posteriormente, este artigo veio a ser alterado pelo artigo 5.º da Lei n.º 20/2023, de 17 de maio.
Tanto a Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro como, posteriormente, a Lei n.º 20/2023, de 17 de maio, estabeleceram, respetivamente, nos seus artigos 252.º e 12.º, regimes transitórios aplicáveis ao ICE.
Considerando que foram suscitadas algumas dúvidas interpretativas no âmbito do referido regime, divulgam-se os seguintes entendimentos:
A. Aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis (conta-corrente) 1. Conforme decorre do n.º 1 do artigo 43.º-D do EBF, a dedução a efetuar ao lucro tributável em cada período é obtida pela aplicação da taxa de 4,5% (5% para Micro, PME/Small Mid Cap) ao montante dos aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis.
2. Essa dedução não pode exceder, em cada período de tributação, 2 000 000 € ou 30 % do resultado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos nos termos do artigo 67.º do Código do IRC, dos dois o maior, sendo que a parte da dedução que exceda este último limite é dedutível na determinação do lucro tributável de um ou mais dos cinco períodos de tributação posteriores, após a dedução relativa a esse mesmo período, com os referidos limites previstos no n.º 4 do artigo 43.º-D do EBF.
3. Quanto aos «aumentos de capitais próprios elegíveis» a considerar, deve atender-se ao disposto na alínea a) do n.º 6 do artigo 43.º-D, concretizando-se, na alínea b), o que se deve entender por «aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis».
4. No que concerne aos períodos a considerar para esses efeitos, dispõe o n.º 3 do mesmo preceito, na redação dada pela Lei n.º 20/2023, que “Para efeitos da dedução prevista no n.º 1, o montante dos aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis deve ser apurado por referência ao somatório dos valores apurados no próprio exercício e em cada um dos nove períodos de tributação anteriores, considerando-se que o montante dos aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis corresponde a zero nas situações em que desse somatório resulte uma diferença negativa.”.
5. E, bem assim, ao n.º 9, também na redação que lhe é conferida pela Lei n.º 20/2023, o qual esclarece que “[p]ara efeitos do apuramento a que se refere o n.º 3, apenas se consideram os aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis verificados nos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2023.”
6. Pelo que, o cálculo do benefício deverá ser efetuado por recurso a uma conta-corrente em que é considerado o somatório dos valores dos aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis apurados no próprio período e em cada um dos nove períodos de tributação anteriores, relevando apenas os que se verifiquem nos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2023 e considerando-se que, para efeitos da dedução a que se refere o n.º 1 do artigo 43.º-D do EBF, o montante dos aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis corresponde a zero nas situações em que desse somatório resulte uma diferença negativa.
B. Distribuição dos lucros contabilísticos do período – Saídas
7. A alínea b) do n.º 6 do artigo 43.º-B do EBF, na redação dada pela Lei n.º 20 /2023, define “aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis”, como a “a diferença, positiva ou negativa, entre: i) Os aumentos dos capitais próprios elegíveis; e, ii) As saídas, em dinheiro ou em espécie, a favor dos titulares do capital, a título de redução do mesmo ou de partilha do património, e as distribuições de reservas ou resultados transitados.”
8. Pelo que, as “saídas, em dinheiro ou em espécie, a favor dos titulares do capital, a título de redução do mesmo ou de partilha do património, e as distribuições de reservas ou resultados transitados”, que ocorram após 1 de janeiro de 2023, relevam para o cálculo dos aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis da entidade, no período da sua deliberação em assembleia geral.
9. De referir, no entanto, que os lucros do período, que sejam distribuídos a favor dos titulares do capital em resultado dessa deliberação, não constituem “saídas” que relevem para efeitos do presente regime, por as mesmas não se encontrarem previstas na subalínea ii) da alínea b) do referido n.º 6. 10. O regime não determina que a entidade considere a totalidade dos lucros contabilísticos passíveis de distribuição no âmbito do referido beneficio fiscal, podendo apenas aplicar (em resultados transitados, diretamente em reservas ou no aumento do capital) parte desses lucros e distribuir os restantes.
11. Nestes termos, e a título exemplificativo, refira-se que a distribuição (total ou parcial) dos lucros contabilísticos passíveis de distribuição, apurados no período de tributação de 2022, por deliberação em assembleia geral de aprovação de contas ocorrida em 2023, não consubstancia uma saída/diminuição dos capitais próprios da entidade, no período de tributação de 2023, relevante para cálculo dos aumentos líquidos dos capitais, próprios a considerar para efeitos da dedução a que se refere o n.º 1 do artigo 43.º-D do EBF.
12. Note-se, no entanto, que uma vez aplicados esses lucros em resultados transitados, em reservas ou no aumento de capital, a sua posterior distribuição a favor dos titulares do capital, consubstancia uma “saída” a considerar para efeitos do apuramento dos “aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis” e, consequentemente, da dedução a que se refere o n.º 1 do artigo 43.º-D do EBF.
C. Lucros contabilísticos – conceito
13. Nos termos da subalínea iv) da alínea a) do n.º 6 do artigo 43.º-D, na redação dada pela Lei n.º 20/2023 de 17 de maio, considera-se aumentos de capitais próprios elegíveis “[a] aplicação dos lucros contabilísticos passíveis de distribuição, de acordo com a legislação comercial, em resultados transitados ou, diretamente, em reservas ou no aumento do capital”.
14. Importa esclarecer que os “lucros contabilísticos” aí mencionados correspondem ao “resultado líquido do período” a ser inscrito no campo 701 da correspondente declaração modelo 22 sem qualquer ajustamento para efeitos fiscais, por a norma assim não o prever, não relevando, nestes termos, o lucro tributável, mas sim o resultado liquido do período de tributação em causa.
15. Contudo, haverá que ter em consideração que no âmbito do presente beneficio apenas são de considerar os lucros contabilísticos “passíveis de distribuição”, pelo que, para o efeito, deverá considerar-se o que determina a legislação comercial aplicável quanto a esta matéria, designadamente, o que se encontra estatuído nos artigos 32.º e 33.º do Código das Sociedades Comerciais.
D. Momento em que a aplicação dos lucros contabilísticos passíveis de distribuição releva como aumento de capitais próprios elegíveis
16. Quanto ao período de tributação em que devem relevar os aumentos de capitais próprios elegíveis a que se refere a subalínea iv) da alínea a) do n.º 6 do artigo 43.º-D do EBF, importa salientar que o referido normativo alude expressamente à aplicação dos lucros que reúnam as condições aí definidas.
17. A referência a “aplicação” dos lucros reporta-se ao período em que a aplicação é efetivamente efetuada/contabilizada, i.e., ao período em que, após a deliberação, ocorre a aplicação em resultados transitados ou, diretamente, em reservas ou no aumento do capital, conforme resulta da conjugação do disposto no n.º 9 do artigo 43.º-D do EBF com o disposto no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 20/2023 (Regime transitório).
F. Regime transitório – lucros contabilísticos relativos ao período de tributação de 2022 – Remuneração convencional do capital social (RCCS)
19. De acordo com o regime transitório vertido no n.º 1 do artigo 252.º da Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro (Lei do OE/2023), apenas são de considerar, no âmbito do presente regime, os aumentos líquidos dos capitais próprios que ocorram nos períodos de tributação que se iniciem em, ou após, 1 de janeiro de 2023.
20. Importa, ainda, referir que o regime transitório vertido no artigo 252.º da Lei n.º 24-D/2022 prevê, no seu n.º 2, que às entradas realizadas até à data da entrada em vigor da presente lei continua a aplicar-se, relativamente às importâncias aplicadas até essa mesma data, o disposto no artigo 41.º-A do EBF (RCCS) na redação anterior à entrada em vigor da presente lei.
21. Com efeito, no âmbito daquele benefício (RCCS), eram considerados elegíveis os aumentos de capital com recurso aos lucros gerados no próprio exercício, desde que o registo do aumento de capital se realizasse até à entrega da declaração de rendimentos relativa ao exercício em causa.
22. Logo, desde que cumpridos os demais requisitos previstos no artigo 41.º-A do EBF, o aumento de capital com recurso aos lucros gerados no período de tributação de 2022 é suscetível de beneficiar do regime da RCCS, produzindo os respetivos efeitos no apuramento do lucro tributável do período de tributação a que correspondem os referidos lucros, no caso, 2022.
23. Assim, quando estejam em causa lucros apurados no período de tributação de 2022, pode suceder que determinadas importâncias reúnam as condições para que sejam consideradas elegíveis tanto no âmbito da RCCS como no âmbito do ICE (ainda que em períodos de tributação distintos).
24. Porém, veio o regime transitório ínsito no artigo 12.º da Lei n.º 20/2023 esclarecer, no seu n.º 2, que, “[s]em prejuízo do disposto no n.º 1, não são considerados para efeitos da subalínea iv) da alínea a) do n.º 6 do artigo 43.º -D do EBF os aumentos de capital efetuados com recurso aos lucros gerados no período de tributação com início em 2022 que tenham beneficiado do regime da remuneração convencional do capital social previsto no anterior artigo 41.º-A deste Estatuto.”
25. Conclui-se assim que, caso uma determinada entidade tenha beneficiado do regime previsto no artigo 41.º-A do EBF (RCCS) relativamente a aumentos de capital efetuados com recurso aos lucros gerados no período de tributação de 2022, não poderá, relativamente às mesmas importâncias, beneficiar do regime previsto no artigo 43.º-D do EBF, ainda que estas fossem passíveis de ser consideradas “aumentos de capitais próprios elegíveis” para efeitos deste regime (ICE).
G. Normas antiabuso
26. Nos termos do n.º 8 do artigo 43.º-D do EBF são excluídas algumas situações que, não obstante poderem ser de considerar como aumentos de capitais próprios elegíveis face à redação da alínea a) do n.º 6 do mesmo normativo, não devem ser consideradas como tal, para efeitos do presente regime, designadamente:
a) Entradas realizadas em dinheiro, no âmbito da constituição de sociedades ou do aumento do capital da sociedade beneficiária, que sejam financiadas por aumentos de capitais próprios elegíveis na esfera de outra entidade;
b) Entradas realizadas em dinheiro, no âmbito da constituição de sociedades ou do aumento do capital da sociedade beneficiária por entidade com a qual o sujeito passivo esteja em situação de relações especiais que sejam financiadas através de mútuos concedidos pelo próprio sujeito passivo ou por outra entidade com a qual essa entidade e o sujeito passivo estejam em situação de relações especiais;
c) Entradas realizadas em dinheiro, no âmbito da constituição de sociedades ou do aumento do capital da sociedade beneficiária, por uma entidade que não seja residente para efeitos fiscais noutro Estado-Membro da União Europeia ou no Espaço Económico Europeu ou noutro Estado ou jurisdição com o qual esteja em vigor convenção para evitar a dupla tributação internacional, acordo bilateral ou multilateral que preveja a troca de informações para fins fiscais.
27. De entre as situações supra identificadas destaca-se a referência que é feita, tanto na alínea a) como na alínea b), a entradas “que sejam financiadas” por, respetivamente, “aumentos de capitais próprios elegíveis na esfera de outra entidade” ou “através de mútuos concedidos pelo sujeito passivo ou por outra entidade com a qual essa entidade e o sujeito passivo esteja em situação de relações especiais”.
28. Quanto a esta questão o normativo não define critérios específicos/objetivos a utilizar por forma a aferir se as referidas entradas foram, ou não, financiadas nos termos das já referidas alíneas a) e b) do n.º 6 do artigo 43.º-D do EBF.
29. Assim, para o efeito, a entidade deverá estar em condições de comprovar, caso seja solicitado, que não se verifica qualquer dessas situações.
Fonte: AT