Jurisprudência

IVA – Direito à dedução; Formalidade das faturas; Regra da inversão do sujeito passivo.

1. A…, LDA., com o número de identificação fiscal …, com sede na …, …-… …, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos actos de liquidação de IVA, no montante global de € 65.413,94.

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

A Autoridade Tributária operou correcções em sede de IVA, na sequência de um procedimento inspectivo, ao recusar o direito à dedução do imposto com base na inobservância da forma legal das facturas, em violação do disposto no artigo 19.º, n.º 2, alínea a), e por aplicação indevida do reverse charge, e ainda por considerar não ter havido lugar à liquidação de imposto em situações em que se verificava a inversão do sujeito passivo, em função do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea j), e  19.º, n.º 8, do CIVA.

No que se refere à primeira daquelas situações, a Autoridade Tributária identifica cinco fundamentos fácticos assim esquematizados:  (a) não identificação inequívoca dos bens afectos à prestação de serviço; (b) ausência de referência a quantidades (horas/dias); (c) falta de indicação dos clientes /obras visitadas; (d) não discriminação dos serviços prestados; (e) não identificação das obras em cujo estaleiro foi prestado o apoio.

Quanto ao primeiro desses aspectos, a Autoridade Tributária entende que sendo a prestação de serviços consubstanciada no aluguer de gruas se torna necessário identificar em concreto a grua que é objecto do aluguer, acrescentando que cada um daqueles equipamentos possui um n.º de série que permite identificar de forma inequívoca a sua identidade, existência e propriedade e na ausência desse elemento de informação, a Administração encontra-se impedida de avaliar, em toda a sua abrangência, as operações económicas tituladas pelas facturas.

Ora, as facturas respeitantes ao aluguer de gruas fazem referência às ordens de trabalho que foram remetidas à Autoridade Tributária como complemento de informação e delas consta o modelo da grua utilizada (LTM 1025). E se noutros casos não é feita essa referência o certo é que essa exigência é desproporcionada e não se enquadra na letra e no espírito da alínea b) do n.º 5 do artigo 36.º do CIVA e dos n.ºs 6 e 7 do artigo 226.º da Directiva IVA, havendo de entender-se à luz destas disposições que a obrigação de especificação da extensão e natureza dos serviços prestados não implica que se torne necessário descrever os serviços específicos prestados de forma exaustiva.

Quanto à segunda insuficiência apontada (inexistência de referência às quantidades dos serviços prestados) está em causa uma prestação de serviço continuado por um mesmo fornecedor (B…, Lda.) com uma reduzida variação dos valores mensais (entre € 2500 e € 2700 com dedução entre € 575 e € 621) e relativamente à qual foram fornecidos esclarecimentos complementares quanto à natureza e extensão dos serviços prestados, designadamente mediante a apresentação do contrato de prestação de serviços em que se refere que o prestador se obriga a despender um mínimo de 48 horas e um máximo de 56 horas (cláusula 2.ª), remuneradas a € 50 à hora (cláusula 3.ª), o que permite concluir que naquelas facturas foram facturadas entre 50 e 54 horas (€ 2500 e € 2700) na prestação mensal de serviços.

As correcções resultantes da “não  indicação dos clientes /obras visitadas” e de “não discriminação de serviços prestados” reportam-se a facturas emitidas por um mesmo fornecedor (C…, Lda.) que se referem à prestação de serviços de angariação de clientes e também nesse caso, a Requerente esclareceu em tempo as dúvidas suscitadas pela AT, mediante o envio do contrato de prestação de serviços e das notas emitidas pelo fornecedor sobre os serviços angariados e valores a facturar, onde se encontram identificados os clientes.

No que se refere à “não identificação de obras em cujo estaleiro foi prestado o apoio”, está em causa a factura n.º 19 da C…, Lda., e da análise da mesma verifica-se que se encontra identificada em concreto a localização das obras e apenas o descritivo «apoio no nosso estaleiro – carga de contrapeso em várias obras» é que pode gerar alguma dúvida, embora aí se especifique que os contrapesos de grua foram carregados no estaleiro e tiveram como destino várias obras.

No tocante à obrigação de liquidação de imposto nos termos do artigo 19.º, n.º 8, do CIVA a  Autoridade Tributária considera que os elementos constantes das facturas, referindo-se a “movimentar material”, “executar diversos serviços”, “apoio à paragem”, “descarregar equipamento”, “carregar camiões”, “movimentar equipamento”, “montar/desmontar grua torre”, “montar/desmontar equipamento”, “movimentação de cargas”, “cargas e descargas de material”, “movimentar materiais/equipamento”, “desmontar grua torre”, descarregar caixa” e “apoio à paragem” são serviços necessários à execução da obra, que se incorporam na mesma (direta e/ou indiretamente) e estão sujeitos à aplicação da regra de inversão do sujeito passivo, por serem considerados serviços de construção civil.

A Requerente entende, com base na informação vinculativa nº 14722, sancionada por despacho de 23 de Janeiro de 2019 da Diretora de Serviços do IVA, que os serviços relacionados com o estaleiro das obras de construção civil abrangendo as instalações provisórias, as viaturas e os equipamentos fixos, móveis e portáteis necessários à execução da empreitada (incluindo os “consumos operacionais”), sem que envolva quaisquer prestações de serviços de construção, não se encontra abrangido pela regra da inversão do sujeito passivo.

Com referência à não liquidação de imposto em relação a facturas por serviços prestados  sua cliente «D…» que a Autoridade Tributária entende não respeitarem a «prestações de serviços de construção», a Requerente sustenta que essas facturas se referem a serviços prestados mediante a utilização de gruas com operador para montagem, desmontagem e substituição de torres eólicas, geradores e caixas de velocidades das torres eólicas nos parques eólicos de … e … . E essas operações têm por objecto a realização de uma obra, enquadrando-se em trabalhos de reparação e conservação, pelo que esses serviços teriam de ser considerados serviços de construção civil, competindo à adquirente dos serviços a liquidação do imposto nos termos da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA (reverse charge).

A Autoridade Tributária, na sua resposta, invoca a excepção dilatória da inutilidade superveniente da lide na parte em que se procedeu à anulação parcial da liquidação n.º…, no montante de € 768,38, que foi notificada à Requerente por ofício de 23 de Dezembro de 2019 da Direcção de Serviços do IVA.

Em sede de impugnação, no que se refere ao IVA não dedutível por incumprimento dos requisitos do artigo 36º do CIVA, considera que as facturas, que se encontram elencadas a fls. 25 do Relatório de Inspecção Tributária, sendo quase todas respeitantes a aluguer de gruas sem operador, não possuem o detalhe mínimo e suficiente, nem contêm a identificação inequívoca do equipamento associado, e as restantes, relativas a serviços de outsourcing, não fornecem informação quanto aos serviços especificamente realizados (clientes/obras visitadas) e a sua quantificação (horas/dias).

Relativamente às facturas n.ºs 187/2017, e 47, 173, 423, 453, 839, 776, 872, 941, 942 e 871 de 2018, emitidas pelas empresas C… Lda. e B…, Lda., elas respeitam a operações de movimentação manual de cargas, que constitui uma tarefa típica da construção civil, pelo que se trata de operações abrangidas pela regra da inversão do sujeito passivo, sendo o imposto devido pela Requerente, na sua qualidade de adquirente dos serviços.

Em relação às facturas n.ºs 289, 313, 406 e 459, emitidas pela Requerente ao seu cliente D…, LDA., respeitam ao mero aluguer ou colocação de equipamentos (andaimes, gruas, betoneiras, recto escavadoras e outras máquinas) que, como tal, se não enquadram na actividade de construção civil e não estão sujeitas à aplicação da inversão do sujeito passivo, pelo que era à Requerente, enquanto prestador dos serviços, que incumbia a liquidação do imposto.

Conclui no sentido da procedência da excepção da inutilidade superveniente da lide, na parte em que a liquidação foi parcialmente anulada, e no mais pela improcedência do pedido arbitral.

Decisão

Termos em que se decide:

a)            Julgar procedente o pedido arbitral quanto à recusa do direito de dedução de IVA com fundamento na não identificação do equipamento utilizado na prestação de serviços e/ou na não discriminação dos serviços prestados (facturas n.ºs 187/2017, 2/2018, 7/2018, 9/2018, 11/2018, 12/2018, 13/2018, 14/2018, 16/2018, 18/2018, 19/2018, 20/2018 e 47/2018);

b)           Julgar procedente o pedido arbitral quanto à recusa do direito de dedução de IVA com fundamento na não indicação da quantidade dos serviços prestados relativamente a facturas emitidas pela empresa B…, Lda. (facturas n.ºs 1/2018, 2/2018, 3/2018, 4/2018, 5/2018, 6/2018, 7/2018);

c)            Julgar procedente o pedido arbitral quanto à recusa do direito de dedução de IVA com fundamento na regra de inversão do sujeito passivo (facturas n.ºs 187/2017, 47/2018, 173/2018, 423/2018, 453/2018, 839/2018, 776/2018, 872/2018, 941/2018, 942/2018 e 871/2018);

d)           Julgar improcedente o pedido arbitral quanto à recusa do direito de dedução de IVA com fundamento na não indicação da quantidade dos serviços prestados relativamente às factura n.ºs 9/2017, 2/2018, 12/2018, 14/2018 e 19/2018 emitidas pela empresa C…, Lda;

e)           Julgar improcedente o pedido arbitral quanto à não liquidação de IVA por indevida aplicação da regra de inversão do sujeito passivo (facturas n.ºs 289/2018, 313/2018; 406/2018 e 459/2018);

f)            Condenar a Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios relativamente aos actos de liquidação declarados ilegais.