IRS – Mais-valias imobiliárias – Não residentes.
Em 13 de setembro de 2019 o contribuinte A…, NIF…, residente na Rua …, n.º …, …, …-… Braga, requereu, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.
- O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 06 de setembro de 2019.
- O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n. º1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.
- A AT apresentou a sua resposta em 07 de janeiro de 2020.
- Por despacho de 08.01.2020, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foi decidido que o processo prosseguisse com alegações finais escritas.
- Em 27 de janeiro de 2020 o Requerente apresentou as alegações.
- A Requerida apresentou as suas alegações no dia 28.01.2020
- Pretende o Requerente que o Tribunal Arbitral anule a liquidação de IRS n.º 2019…, a demonstração de liquidação de juros n.º 2019… e a demonstração de acerto de contas n.º 2019…, do ano de 2017, com todas as legais consequências, nomeadamente o reembolso aos Requerentes do montante de imposto indevidamente pago, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios
O Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:
- Em agosto de 2014, o Requerente emigrou para o Reino Unido para aí fazer o seu doutoramento, aí permanecendo até 30 de setembro de 2018.
- O Requerente procedeu à entrega de uma nova declaração modelo 3 de IRS, do ano de 2017, como “Não residente”, tendo preenchido o anexo G.
- O Requerente, em abril de 2017, havia procedido à alienação da sua quota-parte no prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o artigo … .
- O Requerente havia adquirido o referido imóvel em dezembro de 2008, pelo valor de €12.074,40.
- Na declaração modelo 3 de IRS que apresentou em 05-04-2019, na qualidade de não residente, o Requerente declarou no anexo G – “Mais valias e outros incrementos patrimoniais”, aquela operação de transmissão onerosa do património imobiliário.
- Na demonstração de liquidação de IRS constata-se que, na determinação do rendimento coletável foi considerada a totalidade da mais valia realizada.
- A AT apurou imposto a pagar, no montante de €14.102,54, resultante da tributação à taxa de 28% sobre o referido rendimento coletável.
- Face à legislação em vigor à data dos factos, se o sujeito passivo fosse residente em território nacional, a mais-valia seria considerada em apenas 50%.
- Por outro lado, se o sujeito passivo não fosse residente em território nacional, ainda que fosse residente num Estado Membro da União Europeia, a mais valia seria tributada na sua totalidade.
- O princípio da não discriminação, previsto no TFUE deve ser lido como imposição de tratamento igual entre cidadãos europeus, independentemente da sua nacionalidade ou residência.
- Ora, o regime que se expôs constitui uma discriminação injustificada e contrária ao direito da União Europeia, dos residentes noutros estados membros face aos residentes em território nacional, violadora do princípio da livre circulação de capitais entre Estados-Membros.
- Com efeito, sendo o artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS incompatível com a liberdade de circulação de capitais, previsto no artigo 63.º do TFUE, deverá ser desaplicado.
- O tratamento conferido pela legislação portuguesa a residentes e não residentes na tributação de mais-valias imobiliárias configura uma discriminação indireta em razão da nacionalidade contrária ao disposto nos artigos 63.º e seguintes do TFUE.
- Na sequência do Acórdão Hollman, atenta a incompatibilidade da norma em questão com o direito comunitário, o legislador português, com o propósito de afastar essa incompatibilidade, estabeleceu um regime opcional de equiparação dos não residentes, mas sendo residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Estado Económico Europeu, aos residentes.
- Para o efeito, aditou os n.ºs 8 e 9, ao artigo 43.º do Código do IRS:
“ 8 – Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nos n.os 1 e 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.
9 – Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.”
- Porém tal opção não afasta a discriminação entre residentes em território português e residentes noutro Estado Membro da União Europeia, patente no artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS.
- O Requerente procedeu ao pagamento da liquidação de IRS n.º 2019…, relativa ao ano de 2017.
- Pelo que requer desde já o reembolso do imposto pago indevidamente.
- Assim como requer que lhe sejam pagos juros indemnizatórios à taxa legal a contar do pagamento, nos termos do art.º 43.º da Lei Geral Tributária.
Factos provados
Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:
- Em agosto de 2014, o Requerente emigrou para o Reino aí permanecendo até 30 de setembro de 2018.
- Consta do seu cadastro fiscal a menção “Não residente” desde a data em que saiu do país.
- Em 05-04-2019, o Requerente procedeu à entrega de uma declaração modelo 3 de IRS, do ano de 2017, como “Não residente”, tendo preenchido o anexo G.
- O Requerente, em abril de 2017, procedeu à alienação da sua quota-parte no prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o artigo … .
- O Requerente adquiriu o referido imóvel em dezembro de 2008, pelo valor de €12.074,40.
- Na declaração modelo 3 de IRS que apresentou em 05-04-2019, na qualidade de não residente, o Requerente declarou no anexo G – “Mais valias e outros incrementos patrimoniais”, aquela operação de transmissão onerosa do património imobiliário.
- Na referida declaração, o Requerente no quadro 5, sob a epígrafe “Residência Fiscal”, assinalou no quadro 8B, “NÃO RESIDENTE”, em Portugal
- No Anexo G da referida declaração de rendimentos, o Requerente inscreveu no quadro 4, os seguintes valores: valor de aquisição €12.074,40 e valor de realização €62.500,00.
- Em 22-05-2019, o Requerente foi notificado da demonstração de liquidação adicional de IRS n.º 2019…, da demonstração de liquidação de juros n.º 2019… e da demonstração de acerto de contas n.º 2019… .
- Na demonstração de liquidação de IRS, na determinação do rendimento coletável, foi considerada a totalidade da mais valia realizada.
- A AT apurou imposto a pagar, no montante de €14.102,54, resultante da tributação à taxa de 28% sobre o referido rendimento coletável.
- A AT procedeu ao cálculo do imposto devido, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º do CIRS, tendo por base o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano e aplicando uma taxa de 28% à totalidade do valor das mais valias.
- O Requerente procedeu ao pagamento da liquidação.
DECISÃO
Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se
a) julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação nº 2019…, a demonstração de liquidação de juros n.º 2019… e a demonstração de acerto de contas n.º 2019…, do ano de 2017 e em consequência anular parcialmente aquela liquidação, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais valia imobiliária;
b) Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios desde a data em que o Requerente efetuou o pagamento da liquidação ilegal até ao integral pagamento do montante de que deve ser reembolsado;
c) Condenar a Requerida nas custas do processo face ao decaimento.