Oficio circulado n.º 20257_2023 

Tendo-se suscitado dúvidas sobre o tratamento fiscal, em sede de IRS e de IRC, das despesas incorridas pelo trabalhador com estacionamento e portagens pela utilização de viatura própria ao serviço da entidade patronal, concretamente saber se tais despesas estão incluídas no subsídio de transporte previsto no Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de abril, foi, por meu despacho de 2023/05/05, sancionado o seguinte entendimento:

1. Em conformidade com o disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de abril, os trabalhadores que exerçam funções de natureza pública, quando deslocados do seu domicílio, têm direito ao abono de ajudas de custo e transporte, encontrando-se abrangidas nas despesas de transporte em território nacional, por força do artigo 20.º do mesmo diploma, a título excecional, as relativas ao uso do automóvel próprio.

2. O regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de abril, foi criado para se aplicar apenas à Administração Pública, não existindo até à data legislação própria, geral e abstrata aplicável ao setor privado. Pelo que, na ausência de legislação aplicável ao setor privado, entendeu-se ser aplicável a este os limites previstos para o setor público.

3. Neste sentido, a Circular da DGCI n.º 12/91, de 29 de abril, com origem na Direção de Serviços do IRS, veio explicitar que as entidades não públicas, para efeitos de determinação dos valores sujeitos a imposto, devem ter por referência os montantes que excedam os limites legais estabelecidos para os trabalhadores em funções públicas, estabelecendo-se, assim, um critério geral e abstrato, aplicável a todos os trabalhadores por conta de outrem, que foi o de sujeitar a Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares as importâncias que excedam os limites legais atribuídos aos servidores do Estado.

4. Termos em que se conclui que os valores atribuídos a trabalhadores do setor privado pela deslocação em automóvel próprio, ao serviço da entidade patronal, estão sujeitos aos limites previstos na alínea d)  do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS, reforçando o n.º 14 do mesmo artigo que os limites são os anualmente fixados para os servidores do Estado.

5. Importa agora aferir o que se deve entender por abono de transporte e, consequentemente, avaliar se o montante pago a título de despesas pela utilização de automóvel próprio ao serviço da entidade patronal engloba as despesas suportadas com estacionamentos e portagens.

6. Da leitura efetuada ao Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de abril, decorre que a regra geral é ser o próprio Estado (aqui entendido num sentido amplo, a entidade patronal) a facultar ao seu pessoal os veículos necessários às deslocações dos seus colaboradores, através das viaturas da empresa (conforme n.º 1 do artigo 18.º).

7. A exceção ocorre nos casos em que se verifique a falta ou haja impossibilidade de o Estado/entidade patronal disponibilizar viaturas de serviço. Nesta situação, a “regra alternativa”, consiste na utilização de transportes coletivos de serviço público.

8. Em casos excecionais, a lei permite a utilização de automóvel próprio ou de automóvel de aluguer (artigos 20.º e 21.º do Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de abril).
9. No que diz respeito ao uso de automóvel próprio, o artigo 20.º do referido Decreto-Lei, refere apenas as condições em que se pode proceder à utilização de viatura própria ao serviço da entidade patronal, não se tipificando expressamente quais as despesas que concorrem para a formação do preço por quilómetro. 

10. É o artigo 22.º do diploma em apreço que mais se aproxima daquilo a que podemos chamar o conceito do subsídio de transporte nos casos especiais (aqueles onde é usado o automóvel próprio do funcionário ou o automóvel de aluguer) e quando não seja possível utilizar os transportes coletivos.
Estabelece o seguinte:
“ 1 – Em casos especiais, e quando não for possível ou conveniente utilizar os transportes coletivos, pode ser autorizado o reembolso das despesas de transporte efetivamente realizadas ou o abono do correspondente subsídio, se for caso disso, mediante pedido devidamente fundamentado a apresentar no prazo de 10 dias após a realização da diligência.
2 – Para efeitos do pagamento dos quantitativos autorizados, os interessados apresentam nos serviços
os documentos comprovativos das despesas de transporte ou os boletins itinerários devidamente
preenchidos.”

11. Nos termos do artigo 27.º do mesmo diploma, o subsídio de transporte depende da utilização de automóvel próprio do funcionário e os quantitativos constam do diploma legal que fixa as remunerações dos funcionários (artigo 38.º).
Por sua vez, o artigo 31.º determina a forma de documentação das despesas efetuadas com transportes.

12. Não é, pois, muito nítida, no âmbito do Decreto Lei nº 106/98, a resposta às dúvidas que surgiram, podendo aceitar-se que, claramente, nada é referido quanto à inclusão, ou não, no subsídio de transporte (quilómetros), do montante relativo às portagens e estacionamentos. 

13. Sobre a interpretação das leis ficais, rege a Lei Geral Tributária (LGT) que, no artigo 11.º, sob a epígrafe “Interpretação”, estabelece no seu n.º 1 que “Na determinação do sentido e alcance das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”.

Assim sendo, também no Direito Fiscal podem ser usadas as demais técnicas ou cânones interpretativos usados no direito civil, que estabelece no artigo 9.º do Código Civil sobre interpretação da lei que:
«1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.»
14. Importa, pois, averiguar a ratio legis, isto é, qual o objetivo que se pretendeu alcançar com a lei, para o que se deverá ter em atenção, quer as circunstâncias em que ela foi elaborada, quer as circunstâncias em que efetivamente vai ser aplicada.
Deste modo, o preceito legal não pode ser considerado isoladamente, mas antes como parte de um corpo legislativo onde se insere, pois que as normas nele contidas obedecem, por princípio, a um pensamento unitário.

15. Ora, com a atribuição do subsidio de transporte visa-se atribuir aos trabalhadores uma compensação, sem caráter remuneratório, que tem como objetivo ressarcir o trabalhador dos encargos que este previsivelmente suporta em deslocações ao serviço da empresa.
Mais é referido pelo legislador, na alínea b) do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de abril, que a atribuição de subsídio por quilómetro percorrido deve ser calculado de forma a compensar o funcionário ou agente da despesa realmente efetuada.
16. Ao pagamento de despesas com quilómetros ao trabalhador (preço por cada Km), está subjacente o sacrifício deste pela disponibilização do seu veículo ao serviço da empresa, pretendendo-se compensar o trabalhador pelas despesas previsivelmente suportadas inerentes ao uso da viatura, nomeadamente
custos com combustíveis, seguros, impostos e despesas de manutenção (IUC, inspeções periódicas,
etc…).
17. Questão diferente e que não pode ser confundida são os custos concretamente identificados que possam vir a ser suportados, acessoriamente, no âmbito de uma deslocação ao serviço da entidade patronal, relativos a portagens e estacionamentos.
Trata-se de gastos que afetam negativamente a esfera patrimonial do trabalhador, incorridos no âmbito da sua atividade laboral e no interesse da respetiva entidade empregadora, pelo que devem ser por ela suportados. 

18. Estes gastos não podem considerar-se incluídos no subsídio por quilómetro percorrido, porquanto não se tratam de gastos previsivelmente estimados, mas sim de gastos acessórios, concretamente identificados, suportados pelo trabalhador ao serviço da entidade patronal.

19. A não ser assim, poderia estar-se, por esta via, e no que concerne às portagens, a desincentivar o trabalhador do uso da autoestrada, levando-o a optar por percursos mais longos e morosos, com as consequentes perdas de eficiência.
20. Acresce que, se parece evidente que, no caso de serem utilizadas viaturas da empresa ou até mediante recurso a carros de aluguer, as despesas com portagens e estacionamentos são da responsabilidade da entidade patronal (podendo tais montantes ser ou não imputados aos clientes), também no caso de utilização de viatura própria do trabalhador tais gastos devem ser suportados pela empresa.

21. Assim, é de concluir que a finalidade pretendida com a atribuição subsídio de transporte é a de ressarcir o trabalhador pelos gastos presuntivos incorridos pela deslocação na sua viatura própria ao serviço da entidade patronal, por impossibilidade de a entidade patronal facultar-lhe uma viatura de serviço, não estando incluídos nesses gastos os custos concretamente identificados e efetivos de deslocação relativos a portagens e estacionamento.

22. Assim sendo:
a) Em sede de IRS, o pagamento de estacionamentos e portagens pela utilização de viatura própria do trabalhador ao serviço da empresa, desde que documentalmente comprovado, não constitui para o trabalhador um acréscimo de rendimento, mas um mero reembolso de despesas, pelo que o seu pagamento pela entidade patronal não se encontra no âmbito da tributação prevista na alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS;
b) Em sede de IRC, na medida em que se trate de uma despesa incorrida pelo trabalhador com a deslocação ao serviço da empresa, é um gasto dedutível (alínea d) do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IRC).