Oficio Circulado n.º 20260_2023

No seguimento das dúvidas suscitadas relativamente à aplicação do regime de incentivo à valorização profissional estatuído no artigo 19.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais, procede-se à divulgação do despacho conjunto do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e do Secretário de Estado do Trabalho, de 08.09.2023, cujo teor se transcreve:
“A Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2023, através do seu artigo 251.º, introduziu um regime de incentivo à valorização salarial, aditando ao Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) o artigo 19.º-B – Incentivo fiscal à valorização salarial, com a seguinte redação:

“Artigo 19.º-B – Incentivo fiscal à valorização salarial
1 – Para a determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC e dos sujeitos passivos de IRS com contabilidade organizada, os encargos correspondentes ao aumento determinado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho dinâmica relativos a trabalhadores com contrato de trabalho por tempo indeterminado são considerados em 150 % do respetivo montante, contabilizado como custo do exercício.
2 – Estão excluídos do presente regime os sujeitos passivos relativamente aos quais se verifique um aumento do leque salarial dos trabalhadores face ao exercício anterior.
3 – Apenas são considerados os encargos:
a) Relativos a trabalhadores cuja remuneração tenha aumentado em pelo menos 5,1 % entre o último dia do período de tributação do exercício em causa e o último dia do período de tributação do exercício anterior;
b) Acima da remuneração mínima mensal garantida aplicável no último dia do período de tributação do exercício em causa.
4 – Para efeitos do disposto nos números anteriores, consideram-se:
a) «Encargos», os montantes suportados pela entidade empregadora com o trabalhador, a título da remuneração fixa e das contribuições para a segurança social a cargo da mesma entidade;
b) «Instrumento de regulamentação coletiva de trabalho dinâmica», a outorga ou renovação de instrumento de regulação coletiva de trabalho concluída há menos de três anos;
c) «Leque salarial», a diferença entre os montantes anuais da maior e menor remuneração fixa dos trabalhadores, apurada no último dia do período de tributação do exercício em causa.
5 – O montante máximo dos encargos majoráveis, por trabalhador, é o correspondente a quatro vezes a retribuição mínima mensal garantida.
6 – Para efeitos do disposto no n.º 1, não são considerados:
a) Os trabalhadores que integrem o agregado familiar da entidade patronal;
b) Os membros de órgãos sociais do sujeito passivo de IRC;
c) Os trabalhadores que detenham direta ou indiretamente uma participação não inferior a 50 % do capital social ou dos direitos de voto do sujeito passivo de IRC.”

A. Considerações Gerais
Considerando as dúvidas que se têm vindo a suscitar na interpretação desta norma, relativamente ao alcance dos requisitos estabelecidos, cumpre esclarecer o seguinte:
1. O benefício fiscal ora introduzido prevê a majoração, em 50%, dos encargos (remuneração fixa e contribuições para a segurança social) que excedam a remuneração mínima mensal garantida, suportados pela entidade empregadora, quando se verifique aumento salarial de pelo menos 5,1%, no ano de 2023, face ao último dia do período de tributação anterior e respeitem a trabalhadores com contrato de trabalho por tempo indeterminado.
2. Para que os sujeitos passivos possam beneficiar do incentivo fiscal à valorização salarial, o referido aumento tem de ser determinado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho (IRCT) dinâmica, ou seja, tem de ser determinado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho outorgado ou renovado há menos de três anos.
3. Por outro lado, o regime não se aplica aos sujeitos passivos relativamente aos quais se verifique um aumento do leque salarial dos trabalhadores face ao exercício anterior, considerando-se, para o efeito, que o leque salarial corresponde à diferença entre os montantes anuais da maior e menor remuneração fixa dos trabalhadores, apurada no último dia do período de tributação em causa.
4. O montante máximo dos encargos majoráveis, por trabalhador, é o correspondente a quatro vezes a retribuição mínima mensal garantida (RMMG), que em 2023 corresponde a 3.040 euros (4x 760), sendo que, quando estejam em causa trabalhadores a tempo parcial o montante máximo dos encargos majoráveis deve ser considerado na devida proporção.
5. Para efeitos da aplicação deste incentivo, não são considerados os encargos relativos a trabalhadores que integrem o agregado familiar da entidade patronal, os membros de órgãos sociais do sujeito passivo de IRC e os trabalhadores que detenham direta ou indiretamente uma participação igual ou superior a 50% do capital social ou dos direitos de voto do sujeito passivo.

B. Instrumento de regulamentação coletiva de Trabalho
6. São suscetíveis de integrar o conceito de IRCT dinâmica qualquer tipologia de IRCT negocial, conforme previsto no artigo 2.º do Código do Trabalho (aprovado em anexo à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, na sua redação atual), designadamente: convenção coletiva (contrato coletivo, acordo coletivo ou acordo de empresa), acordo de adesão e decisão arbitral em processo de arbitragem voluntária.
7. No que concerne a IRCT não negociais, é suscetível de integrar o conceito de IRCT dinâmica a Portaria de Extensão.
8. Encontram-se excluídos do conceito de IRCT dinâmica os seguintes IRCT não negociais: a Portaria de Condições de Trabalho e a decisão arbitral em processo de arbitragem obrigatória ou necessária.
9. De salientar que a referência a “outorga ou renovação de instrumento de regulação coletiva de trabalho concluída há menos de três anos” constante da alínea b) do n.º 4, deve ser interpretada com as necessárias adaptações quando esteja em causa um IRCT não negocial. Assim, importa referir, a título exemplificativo, que quando esteja em causa uma Portaria de Extensão que tenha subjacente uma determinada Convenção Coletiva deve considerar-se, para efeito de aplicação da contagem do prazo referido, a mesma data que seria de considerar caso a Convenção Coletiva tivesse aplicação direta às entidades que passam a estar abrangidas por força da Portaria de Extensão.

C. Encargos correspondentes ao aumento determinado por IRCT dinâmica
10. Para efeitos de elegibilidade dos aumentos salariais, são considerados:
a) aumentos salarias individualmente considerados, por trabalhador;
b) aumentos em, pelo menos, 5,1%, no ano de 2023, da remuneração do trabalhador que estejam previstos em IRCT outorgado ou renovado há menos de três anos. É, assim, exigido o preenchimento dos seguintes critérios cumulativos: (i) aumento salarial em, pelo menos, 5,1%, no ano de 2023, da remuneração do trabalhador; (ii) existência de IRCT dinâmica aplicável àquela relação contratual que promova aumentos salariais em percentagem igual ou superior a 5,1%, no ano de 2023.

D. Leque Salarial
11. De acordo com o n.º 2 do artigo 19.º-B do EBF, encontram-se excluídos do presente regime os sujeitos passivos relativamente aos quais se verifique um aumento do leque salarial dos trabalhadores face ao exercício anterior.
12. A definição de «Leque salarial» constante da alínea c) do n.º 4 do artigo 19.º-B do EBF, ao referir-se à “diferença entre os montantes anuais da maior e menor remuneração fixa dos trabalhadores, apurada no último dia do período de tributação do exercício em causa” deve ser interpretada no quadro do Acordo de Médio Prazo de Melhoria dos Rendimentos, dos Salários e da Competitividade que está na sua génese.
13. O artigo 19.º-B do EBF resultou assim do Acordo de Médio Prazo de Melhoria dos Rendimentos, dos Salários e da Competitividade, assinado no dia 9 de outubro de 2022, entre o Governo e os Parceiros Sociais, nos termos do qual o «Leque salarial» deve ser calculado através de um “rácio entre a parcela da remuneração base dos 10% de trabalhadores mais bem remunerados em relação ao total e a parcela de remuneração base dos 10% de trabalhadores menos bem remunerados em relação ao total”.
14. A aplicação de um rácio, nos termos indicados, conduz a que um aumento de todos os trabalhadores de um sujeito passivo numa percentagem única (de 5,1% ou superior, no ano de 2023), mantenha o leque salarial, antes e após o aumento, precisamente igual e, portanto, em respeito pela intenção do legislador, sem exclusão desse sujeito passivo do presente regime.
15. Ora nestes casos, quando o teor literal da norma não seja unívoco (e, portanto, consinta uma interpretação mais extensiva ou uma interpretação mais restritiva), a mesma deve ser interpretada no sentido que a torne compatível com aquela que foi a intenção do legislador, na medida em que o sentido de um aspeto particular da norma legal deve captar-se no conjunto da norma a que pertence e ainda com referência aos acordos públicos que tiveram na sua génese.
16. Deste modo, deve entender-se que o «Leque salarial», a que alude a alínea c) do n.º 4 do artigo 19.º B do EBF, é calculado, em linha com o racional previsto no Acordo de Médio Prazo de Melhoria dos Rendimentos, dos Salários e da Competitividade, através de um “rácio” e tendo presente os 10% de trabalhadores mais bem remunerados e os 10% de trabalhadores menos bem remunerados.
17. Deste modo, para efeitos de determinação do leque salarial, deve ser considerado o rácio entre a parcela da remuneração fixa anual dos 10% de trabalhadores mais bem remunerados em relação ao total e a parcela da remuneração fixa anual dos 10% de trabalhadores menos bem remunerados em relação ao total, apurada no último dia dos períodos de tributação dos exercícios em causa.
18. Neste contexto, para efeitos da determinação do «Leque salarial»:
• Devem ser considerados todos os trabalhadores ao serviço da entidade, independentemente do vínculo laboral, ainda que relativamente a alguns desses trabalhadores não haja encargos a considerar em resultado de os respetivos aumentos salariais não terem sido determinados por IRCT ou, sendo, não tenham sido iguais ou superiores a 5,1%, no ano de 2023, ou ainda nos casos previstos no n.º 6 daquele dispositivo legal, nos termos do qual esses trabalhadores se encontram excluídos do âmbito do presente benefício, designadamente os membros dos órgãos sociais da entidade empregadora;
• Apenas devem ser consideradas as componentes fixas da remuneração;
• Relativamente ao alcance da expressão “remuneração fixa” deve considerar-se que a mesma é constituída por toda a remuneração auferida pelo trabalhador que não esteja dependente do desempenho individual, da equipa ou da empresa, bem como as remunerações acessórias enunciadas na alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS, que se revelem de caráter fixo e nas condições aí enunciadas;

• A título exemplificativo, a remuneração fixa compreende o ordenado ou salário base auferido pelo trabalhador, o subsídio de férias e de Natal, as diuturnidades e as remunerações acessórias a que o trabalhador tenha direito em termos fixos. Poderão estar nestas circunstâncias, designadamente, o abono para falhas e o subsídio de refeição que excedam os limites legais;
• Quando esteja em causa um sujeito passivo que tenha ao seu serviço trabalhadores a tempo parcial, deve ser considerado o montante que, proporcionalmente, corresponderia ao montante da remuneração fixa do trabalhador caso este trabalhasse a tempo completo.
19. De notar que, sendo fixada uma percentagem única de aumento salarial para todos os trabalhadores, o leque salarial calculado através de um “rácio” entre a parcela da remuneração base dos 10% de trabalhadores mais bem remunerados em relação ao total e a parcela de remuneração base dos 10% de trabalhadores menos bem remunerados em relação ao total, conduz à manutenção do leque salarial.

E. Trabalhadores não elegíveis
20. Conforme resulta do n.º 1 do artigo 19.º-B do EBF, as entidades empregadoras apenas podem beneficiar da majoração prevista neste regime relativamente a trabalhadores com contrato de trabalho por tempo indeterminado.
21. De referir que as entidades poderão beneficiar deste incentivo fiscal relativamente a trabalhadores admitidos ao abrigo de um contrato a termo que tenham passado a estar abrangidos por contrato sem termo. Contudo, apenas serão de considerar os encargos correspondentes aos aumentos que, cumprindo os demais requisitos, respeitem a remunerações pagas ao abrigo de contrato sem termo.
E.1 Trabalhadores que integrem o agregado familiar da entidade patronal
22. Como já referido anteriormente, para efeitos da aplicação deste regime, não são considerados, entre outros, os trabalhadores que integrem o agregado familiar da entidade patronal.
23. Não tendo o legislador definido o que se deve entender por “agregado familiar” para efeitos da aplicação da exclusão prevista na alínea a) do n.º 6 do artigo 19.º-B do EBF, entende-se ser de aplicar o conceito de “agregado familiar” aplicável no âmbito da legislação fiscal, mais concretamente, no Código do IRS.
24. Ora, atento o disposto no n.º 4 do artigo 13.º do Código do IRS, o agregado familiar é constituído por:
• os cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens, ou os unidos de facto, e os respetivos dependentes;
• cada um dos cônjuges ou ex-cônjuges, respetivamente, nos casos de separação judicial de pessoas e bens ou de declaração de nulidade, anulação ou dissolução do casamento, e os dependentes a seu cargo;
• o pai ou a mãe solteiros e os dependentes a seu cargo;
• o adotante solteiro e os dependentes a seu cargo.
25. Da letra da lei resulta que a exclusão dos trabalhadores que integrem o agregado familiar da entidade patronal não terá aplicação quando a entidade patronal seja um sujeito passivo de IRC.
E.2 Trabalhadores que detenham direta ou indiretamente uma participação não inferior a 50 % do capital social ou dos direitos de voto do sujeito passivo de IRC
26. Nos termos do n.º 6 do artigo 19.º-B do EBF não são considerados, para efeitos do presente regime, os trabalhadores que detenham direta ou indiretamente uma participação não inferior a 50% do capital social ou dos direitos de voto do sujeito passivo de IRC.
27. O nível de participação indireta deve ser determinado em conformidade com o disposto no n.º 6 do artigo 69.º do Código do IRC.
28. Para efeitos da determinação do nível de participação indireta, considera-se, ainda, que o trabalhador detém indiretamente as partes do capital da sociedade quando as mesmas sejam da titularidade do cônjuge, respetivos ascendentes ou descendentes até ao 2.º grau, sendo igualmente aplicáveis, com as necessárias adaptações, as regras sobre a equiparação da titularidade estabelecidas no Código das Sociedades Comerciais, nos mesmos termos que dispõe o n.º 6 do artigo 23.º-A do Código do IRC.

F. Encargos correspondentes ao aumento determinado por IRCT dinâmica
29. O n.º 1 do artigo 19.º-B do EBF estipula que a majoração aí prevista se aplica aos encargos correspondentes ao “aumento determinado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho dinâmica”.
30. Face à redação deste preceito, importa esclarecer se, para que o sujeito passivo possa beneficiar deste regime, tem de resultar expressamente do IRCT a determinação de aumentos de, pelo menos, 5,1%, no ano de 2023, ou se basta que o sujeito passivo, que tenha outorgado ou renovado IRCT há menos de 3 anos, atualize os salários em, pelo menos, 5,1%, no ano de 2023, ainda que o IRCT não imponha aumentos iguais ou superiores àquela percentagem.
31. Encontrando-se esta medida fiscal em linha com os objetivos traçados no Acordo de Médio Prazo de Melhoria dos Rendimentos, dos Salários e da Competitividade, assinado entre o Governo e os parceiros sociais, onde são identificadas medidas que orientam no sentido de valorizar “anualmente os salários
em linha ou acima dos valores constantes no Acordo e no quadro de Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho”, terá sido intenção do legislador determinar que são elegíveis os encargos relativos a aumentos salariais de pelo menos 5,1%, no ano de 2023, face ao ano anterior, determinados por IRCT dinâmica e na parte que exceda a remuneração mínima mensal garantida.
32. Nestes termos, no âmbito do presente regime, se os aumentos salariais não forem determinados por IRCT, ou se o mesmo determinar aumentos que se traduzam numa percentagem inferior à prevista na alínea a) do n.º 3 do artigo 19.º-B do EBF, ainda que sejam praticados aumentos salarias iguais ou superiores a 5,1%, no ano de 2023, a entidade empregadora não pode beneficiar do presente regime relativamente a esses trabalhadores ou categoria de trabalhadores.
33. Quando um IRCT seja aplicável a várias entidades empregadoras e determine aumentos numa percentagem mínima (referindo p. ex. “aumentos de pelo menos 6%”), cada uma dessas entidades poderá optar, ou não, por atribuir aumentos superiores a essa taxa (p. ex. 6%, 7%, 8% e 10%). Nesses casos, são de relevar, para efeitos do presente regime, os aumentos salariais praticados.
34. O aumento da remuneração não tem de se encontrar expressamente previsto em termos percentuais no IRCT, desde que esse aumento, ainda que considerado em valores absolutos no IRCT, se traduza, no ano de 2023, num aumento de “pelo menos 5,1 % entre o último dia do período de tributação do exercício em causa e o último dia do período de tributação do exercício anterior.”.
35. Atendendo a que no IRCT podem ser determinadas atualizações salarias distintas para as várias categorias profissionais (abaixo ou acima de 5,1%), importa ainda salientar que a entidade empregadora apenas pode beneficiar deste incentivo relativamente aos trabalhadores em que se verifique um aumento da remuneração, face ao ano anterior, de pelo menos 5,1%, no ano de 2023, quando esse aumento seja determinado por IRCT.”.