Oficio Circulado n.º 20262_2023, da Autoridade Tributária

A Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro, aprovou um conjunto de medidas no âmbito da habitação, que compõem o Programa Mais Habitação, tendo procedido a alterações legislativas com impacto no Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS).

Sem prejuízo de serem posteriormente divulgadas instruções sobre o entendimento interpretativo a considerar no âmbito da aplicação dos regimes aprovados em sede de IRS, considerando que o artigo 50.º da Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro, aprovou, com efeitos retroativos:
a) Um regime fiscal de exclusão de tributação dos ganhos de transmissão onerosa de terrenos para construção ou de imóveis habitacionais, que não sejam destinados a habitação própria, aplicável às transmissões realizadas entre 1 de janeiro de 2022 e 31 de dezembro de 2024; bem como, b) Um regime de suspensão de contagem do prazo para o reinvestimento previsto na alínea b) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, durante um período de dois anos, com efeitos a 1 de janeiro de 2020;
Importa divulgar, desde já, as instruções para efeitos de regularização das situações tributárias dos contribuintes já ocorridas e às quais se apliquem os regimes acima indicados, sendo de observar o seguinte:

I – Regime de exclusão de tributação dos ganhos de mais valias provenientes de transmissão onerosa de terrenos para construção ou de imóveis habitacionais, que não sejam destinados a habitação própria, aplicável às transmissões realizadas entre 1 de janeiro de 2022 e 31 de dezembro de 2024

1. Nos termos do n.º 4 do artigo 50.º da Lei n.º 56/2023, o regime previsto nos n.ºs 1 a 5 deste artigo tem uma aplicação retroativa a transmissões efetuadas desde 01.01.2022, e também limitada no tempo, ou seja, a transmissões efetuadas desde aquela data e até 31.12.2024, sendo por isso um regime temporário, transitório.

2. No que se refere ao ano de 2022, verifica-se que, na sua maioria, as declarações de rendimentos já terão sido entregues e liquidadas nos termos, respetivamente, do n.º 1 do artigo 60.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 77.º, ambos os artigos do Código do IRS, pelo que, na ausência de norma que permitisse aos contribuintes excluir de tributação as mais-valias em questão, estes ganhos terão sido declarados e tributados.

3. Neste contexto, considerando o caráter retroativo do regime, a Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro, deve ser considerada fundamento para apresentação de declaração de rendimentos modelo 3, de substituição, no prazo previsto no n.º 2 do artigo 140.º do Código do IRS, isto é, 2 (dois) anos a contar do termo do prazo legal para a entrega da declaração, ou, no mesmo prazo, para apresentação de reclamação graciosa nos termos daquele artigo, ou seja, em regra, o prazo referido decorre até final do mês de junho de 2025.

II – Suspensão de contagem do prazo para o reinvestimento previsto na alínea b) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, durante um período de dois anos, com efeitos a 1 de janeiro de 2020

1. Nos termos do n.º 6 do artigo 50.º da Lei n.º 56/2023, o prazo para o reinvestimento de valores de realização provenientes da alienação de habitação própria e permanente fica suspenso durante 2 (dois) anos, com efeitos a 01.01.2020. Considera-se, então, que o referido prazo ficou suspenso entre o dia 01.01.2020 e o dia 01.01.2022 (artigo 279.º, al. c) do Código Civil), voltando a correr a partir do dia 02.01.2022, inclusive.

2. Os prazos previstos na al. b) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, em curso a 01.01.2020, eram os relativos a alienações de imóveis ocorridas em ou após 01.01.2017 (cuja intenção de reinvestimento nos 36 meses posteriores à realização tenha sido manifestada na declaração de rendimentos do ano da transmissão), ou relativos a reinvestimentos efetuados em ou após 01.01.2018 (reinvestimentos efetuados nos 24 meses anteriores à alienação do imóvel, cuja alienação do imóvel destinado a HPP não tenha ocorrido nesse prazo), prazos que, tendo ficado suspensos, retomam a sua contagem após o términus da suspensão.

3. Assim, existirão situações tributárias que, na ausência desta previsão legal, entretanto se consolidaram, em função do quadro legal vigente à época, nomeadamente:

a) sujeitos passivos que, pese embora terem manifestado a intenção de proceder ao reinvestimento do valor de realização, não o tenham conseguido concretizar no anterior prazo de 36 meses; ou,

b) sujeitos passivos que adquiriram um imóvel, na expetativa de venderem o imóvel HPP no prazo de 24 meses, mas só tenham vindo a concretizar a venda depois desse prazo.

4. Existem também situações tributárias em que a AT já procedeu à reliquidação do IRS do ano da obtenção da mais-valia por não ter sido concretizado no prazo legal o reinvestimento cuja intenção foi declarada na modelo 3 do ano da obtenção do ganho. 

5. Conclui-se, assim, que este regime de suspensão do prazo de reinvestimento, com efeitos retroativos ao ano de 2020, tem impacto em situações em que a AT já procedeu ao procedimento de reliquidação do Imposto considerado em falta e pode ter impacto nas situações em que a AT ainda não efetuou esse procedimento.

6. Em qualquer dos casos referidos no ponto anterior, a regularização da situação tributária do contribuinte, caso tenha havido declaração de intenção de reinvestimento e caso o reinvestimento tenha existido e seja considerado efetuado no prazo legal por via deste regime de suspensão de prazo, passa por dever ser corrigida a declaração do ano em que é efetuado o reinvestimento e não a declaração em que é declarada a intenção do reinvestimento. 

7. Assim, em ambas as situações referidas nos dois pontos anteriores, deve ser entregue declaração modelo 3, de substituição, relativa ao ano em se efetuou o reinvestimento, identificando a concretização desse mesmo reinvestimento, sendo que:

a) Nas situações em que a AT ainda não reliquidou o IRS do ano da alienação (o que se verifica relativamente aos anos de 2019 a 2021), a declaração de substituição terá por efeito considerar o reinvestimento concretizado, total ou parcialmente, pelo que a exclusão de tributação no ano da obtenção da mais valia e da declaração de intenção de reinvestimento mantém-se;

b) Nas situações em que a AT, oficiosamente, já reliquidou o IRS do ano da alienação (o que se verifica relativamente aos anos de 2017 e 2018), a declaração de substituição terá por efeito nova reliquidação do IRS do ano da alienação, no sentido de considerar a exclusão de tributação em face do regime de suspensão do prazo do reinvestimento.

8. Considerando o exposto, a Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro, deve ser considerada fundamento para apresentação de declaração de rendimentos modelo 3, de substituição, do ano em que o contribuinte concretizou o reinvestimento, caso o mesmo seja considerado no prazo legal atendendo à suspensão da contagem do prazo em 2020 e em 2021.

9. Sem prejuízo do direito de entrega de declaração de substituição referida no ponto anterior, nos casos em que exista ato tributário, em que as mais-valias em causa tenham sido tributadas (liquidação oficiosa da AT por não reinvestimento concretizado no prazo), deve ser considerada fundamento:

a) Para apresentação de reclamação graciosa, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 70.º do CPPT, no prazo de 120 (cento e vinte) dias contados a partir da data da publicação da Lei;

b) Evidenciando-se o prazo previsto no ponto anterior ultrapassado e para as situações aí previstas, podem os contribuintes ver reconhecido o direito a que lhes seja regularizada a situação tributária, através do pedido de revisão dos atos tributários de liquidação de IRS, previsto no n.º 3 do artigo 78.º da LGT, a apresentar nos três anos posteriores ao do ato tributário (liquidação oficiosa da AT por não reinvestimento), com fundamento em injustiça grave ou notória.

III – Disponibilização da declaração modelo 3 para efeitos de substituição de declarações já entregues para efeitos de regularização de situações já ocorridas a que seja aplicável os regimes e procedimentos referidos nos Pontos I e II

1. Para efeitos de regularização das situações referidas nos Pontos I e II através de entrega de declaração de rendimentos, de substituição, alerta-se que a declaração Modelo 3 em vigor (aprovada pela Portaria n.º 47/2023, de 15 de fevereiro) não está ainda apta para declarar estes factos tributários, uma vez que a lei que aprovou os regimes em causa foi publicada apenas em 06.10.2023. Tal significa que a declaração modelo 3 tem de ser objeto de adaptação a estas novas realidades, bem como as respetivas aplicações informáticas, para que os contribuintes possam submeter a modelo 3, de substituição, para estes efeitos.

2. Os desenvolvimentos destes trabalhos pela AT estarão concluídos no início do prazo previsto na lei para a entrega das declarações de rendimentos do ano de 2023, ou seja, a partir de 1 de abril de 2024.

3. Não obstante o constrangimento associado ao facto de não ser possível a entrega imediata e até final de março de 2024 da modelo 3, de substituição, para regularização das situações tributárias já ocorridas ao abrigo destes regimes, salienta-se que esta via é mais célere comparativamente à via de sindicância dos atos tributários de liquidação do IRS, quer seja administrativa ou judicial.
De facto, a execução de decisões favoráveis nesta matéria também só é possível após a disponibilização da submissão da declaração com os novos impressos e consequente adaptação do respetivo documento de correção oficioso, sendo este meio, pois, mais moroso, e por isso menos eficiente, para o contribuinte ver a sua situação tributária regularizada, pelo que considera-se que a via declarativa deve ser privilegiada pelos contribuintes.